-Aliste-se.Isso lhe dará algo sobre o que escrever.
-Becker,há sempre algo sobre o que escrever.

Charles Bukowski- Misto Quente.

19 de nov. de 2010

Sorrisos, constelações e um aceno, pra nunca mais.

Ela estava dentro do mesmo ônibus que pegava todos os dias, sentada no mesmo lugar que sempre sentava. Então ela abriu seu livro e começou a ler.
Depois que o caminho tinha virado rotina, preferia se entreter. Ás vezes música, ás vezes livros.
Então entrou um daqueles tipos...suspiráveis.
Ela só soube porque instintivamente ergueu os olhos da página enquanto ele passava pelo corredor, e sorriu. Sorriu e sentou-se do lado dela. Ela se esforçou pra retribuir o sorriso. Tinha covinhas, o que todos achavam adorável, mas ela própria não gostava muito do seu sorriso.
Então ela fingiu se concentrar de novo na leitura (falhando miseravelmente). Fechou o livro e o repousou sobre a bolsa, no colo. Aí ele deu outro sorriso. Ela olhou. Ele tinha o olhar repousado no colo dela. Woody Allen - Fora de Órbita. Ele abriu a própria mochila, tirando um volume de bolso de Woody Allen - Sem Plumas. Ambos deram risada. Já li todos os livros do Woody, a filmografia também é ótima, estou relendo esse, são muito bons, você gosta?, não, esse é o primeiro que leio dele, eu leio bastante; eu também.
Conversaram alguns minutos sobre literatura, e sorriam, e ele percebeu as três pintas no braço dela, alinhadas como as Três Marias no céu, uma constelação no seu próprio braço, no seu próprio corpo, devia ela ser mesmo uma estrela, e como brilhava!, ela percebeu que ele tirava as sobrancelhas, e queria perguntar seu nome, onde morava, e pra onde ele estava indo?, queria perguntar tantas coisas que acabou não perguntando nada, ficaram ali, e o ônibus seguindo, e eles desejando que o ônibus parasse, quebrasse, qualquer coisa! Que aquela viagem fosse interurbana, se queriam,ah!...
Ele tirou uma caixinha de Chiclets e abriu, um pra cada, 'eu não abro a caixinha assim' ela disse, e ele pensava 'mas que diabos, e existem outras formas de abrir um chiclete?'
Continuaram ali, com Woody Allen apadrinhando todos aqueles sorrisos, e ela imaginava uma trilha sonora em francês pra deixar tudo mais bonito ainda, e ele percebeu uma cicatriz no canto da boca dela, bem onde acabava o batom vermelho, quis perguntar o que era aquela marca, quis saber porque invés de acabar com a graça daquele rosto, a cicatriz a deixava ainda mais bonita.
Ela quis saber o que significava aquela tatuagem no pulso, não sabia nada sobre simbologia, era simbologia mesmo? E o tempo se esgotava, o relógio de pulso dele andava, andava... Ela não gostava de relógios.
Chegaram.
Desceram.
Se despediram.
Se foram.
E nunca mais se viram de novo.

2 comentários:

  1. Juuu,
    Adoro seus textos.. as vezes, me sinto dentro deles, me faz ter uma sensação maravilhosa. Incrivel como você consegue fazer isso! Espero que seja sempre assim..

    Um grande beijo Ju!

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