-Aliste-se.Isso lhe dará algo sobre o que escrever.
-Becker,há sempre algo sobre o que escrever.

Charles Bukowski- Misto Quente.

1 de jan. de 2011

- Desculpe-me se for incômodo, mas qual o seu nome?
- Sabrina.


Respondeu após uma breve hesitação, o que foi uma surpresa.
Ele estava acostumado a ser totalmente ignorado.
Ainda mais naquelas circunstâncias: Madrugada fria, na porta de um bar localizado maestrosamente no final de uma rua sem saída.
O bar era o point. O clima jovem e enevoado de cigarro, a mistura de perfumes baratos e whiskys vagabundos era atrativo até demais - dependendo da noite, o lugar ficava lotado de jovens da mesma faixa etária ,que buscavam por somente uma coisa, ali ou em qualquer outro canto da cidade: diversão.
A bela moça que acabava de responder o simpático rapaz (belo também, mas não tanto quanto ela. Ela era loira de olhos azuis, um corpo que certamente era maravilhoso por baixo das roupas largas e estranhas. Uma beleza gritante.)
Como eu ia dizendo - veja só, a beleza da moça afetou até a mim, que não deveria ser nada além de narrador. Narrar com os olhos da alma só quando preciso, na maior parte do tempo é preciso ser imparcial. - a bela moça dos cabelos compridos e esvoaçantes fazia todo o resto deixar de existir, transformava todos os outros rostos ali presentes em figurantes. E pra destoar ainda mais desses rostos que sorriam e conversavam animadamente, ela mantinha uma expressão pré- fabricada de tédio. Quieta. Silenciosa. Um mistério, um quadro vivo. Uma Monalisa dos tempos modernos. Mas ao invés de um sorriso enigmático, trazia o enigma nos olhos: olhando pra rua, lá na frente...

- Quer um cigarro?
- Não fumo. {...}
- O que faz por aqui?
- Gosto de ficar olhando os carros passarem.
- Sabrina...

Ele tirou o celular do bolso e com movimentos curtos e rápidos, colocou certa música para tocar.

"Acendo um cigarro, olho para o lado e vejo você..."

- Quer entrar e tomar uma bebida? Tá fazendo frio...
- Quero, sim. - Seus lábios se abriram o suficiente pra responder. Depois esboçou um sorriso.

"Em meio a tanta gente agitada, sem saber o porquê..."

- Você não me disse seu nome.
- Meu nome não é importante...
- É, sim. - Ela disse. Molhou os lábios com o whisky (que ele fez questão de que não fosse barato) e sorriu.
Ele conseguiu fazê-la sorrir em menos de três minutos.
- Mesmo com o seu sorriso desconcertante eu ainda acho que meu nome não é importante.

Conversaram sobre tudo: sobre astrologia, Deus, sobre a vida, sobre a morte, sobre suas respectivas famílias. Ela falava de uma forma tão literária, como se pretendesse transcrever todas aquelas frases, ou ainda como se contasse uma história que não era a dela; apenas como simples observadora.
Assim como eu.
Ele gostava disso.

"De um lado da cidade tão sem graça e sem nada pra fazer... Procuro, no escuro, uma razão pra tentar te entender."

Nosso garoto não tinha certeza se ela estava mesmo prestando atenção na música, até porque as mesas em volta deles estavam todas ocupadas e embaladas por ruidosas conversas - mas ainda assim resolveu fazer um comentário.
- Não parece um tanto quanto... cósmico o fato de nos encontrarmos aqui e você se chamar Sabrina e essa música com o teu nome narrando tudo o que acontece?
Você percebeu?

Ela ergueu a sobrancelha. Olhou nos olhos dele com uma intensidade que ele nunca viu antes. Nunca teve o prazer.
Como se fosse possível ver qualquer outra coisa ali, e não somente suas pupilas. Ela procurou o Universo em seus olhos.
E então desviou o olhar, procurando algo no seu copo que já não estava lá.


" E diz que não dá bola, joga fora, e que nunca vai ceder..."

- Eu não quis dizer cósmico. Eu quis dizer cômico.
C ô m i c o.
Ela voltou os olhos para ele com a mesma intensidade de antes. Esse gesto fez com que ele fosse sincero:
- É mentira. Eu quis dizer cósmico. Inexplicavelmente cósmico. Intergalacticamente cósmico. Inegavelmente...
E então, ela beijou-o.
Ele só conseguiu sorrir e agradecer pelo fato de a vida não imitar a ficção, no final.
Ele queria adiar o fim da música pra sempre.

"Eu disse tudo pra valer, mas você não me disse sim."



4 comentários:

  1. Me sinto muito bem lendo seus textos porque eles interagem muito bem com a realidade e cotidiano que vivemos. De toda forma, um feliz 2011 e que você continue sendo sempre essa pessoa motivadora. Muito obrigado por tudo Ju! Beijão s2

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  2. Ainda bem mesmo que a vida não imita a ficção. muito FODA Ju!!!

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  3. Adorei o texto, a Sabrina, o outro personagem, o envolvimento do narrador... e claro, essa música do Abril que eu adoro! E eu acho que eu vi um trecho de Dismantle. Repair. bem ali... :P Aí fico imaginando quantas outras referências podem haver que eu não percebi rs

    Um beijo!

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